28/05/2025

Condomínio empoderado: novo Código Civil permite expulsão de moradores antissociais e dificulta Airbnb

Por: Paulo Assad
Fonte: O Globo
O projeto de reforma do Código Civil que tramita no Senado vai empoderar as
assembleias de condomínios no país, que chegam a 13,3 milhões de endereços,
segundo o Censo 2022 do IBGE. Os condôminos poderão expulsar moradores
de comportamento antissocial e terão o poder de liberar o Airbnb, como uma
exceção à proibição prevista no novo texto. Além disso, a multa por
inadimplência vai passar de 2% para 10% do valor da cota condominial.
O Código Civil não traz atualmente a previsão para mandar embora moradores
problemáticos: apenas a possibilidade de multá-los em até dez vezes o valor da
cota, mediante aprovação de três quartos dos condôminos. Além de permitir a
expulsão, o projeto reduz o quórum necessário para aprovar as multas e a
retirada do morador antissocial, que passaria a ser de dois terços da assembleia.
Tanto no texto atual quanto no projeto, o comportamento antissocial é definido
como aquele reiterado e responsável por gerar “incompatibilidade de
convivência com os demais condôminos”. Segundo a proposta no Congresso,
a expulsão deve ser considerada quando as multas se mostrarem insuficientes
para frear o mau comportamento. Mas ela deverá ser aprovada por um juiz, que
proibirá a entrada do ex-morador.
As regras sugeridas vão mudar o rumo de disputas atualmente travadas nos
tribunais, onde nem sempre há um ponto de vista mais aceito, como no caso
dos vizinhos antissociais. Um caso que teve repercussão levou a juíza Laura de
Mattos Almeida a determinar que a aposentada Elizabeth Morrone deixasse o
seu apartamento em São Paulo por comportamento antissocial.
A ação, movida pelo condomínio, aconteceu na esteira das insultos racistas
feitas por Morrone contra o humorista Eddy Júnior, seu vizinho. Um vídeo do
episódio, ocorrido em 2022, mostra a aposentada referindo-se ao comediante
como “macaco” e “imundo”, enquanto tenta expulsá-lo do elevador. Morrone
recorreu da sentença e ainda mora no prédio.
Em 2021, a 34ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJ-SP) decidiu que a locatária de um apartamento da capital não poderia ser
impedida de morar nele por falta de amparo legal, mesmo apresentando
comportamento agressivo. Um ano antes, a 4ª Turma Cível do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal havia decidido que a expulsão de um morador de
Águas Claras, que incomodava vizinhos com xingamentos, sujeira, barulho e o
mau cheiro do imóvel, só poderia ocorrer após votação em assembleia.
Para Diego Basse, advogado autor da ação do condomínio contra Morrone, a
possibilidade de expulsão consolidaria uma jurisprudência que já vem se
formando no país:
— O procedimento fica mais objetivo, mas quem vai analisar e dar a última
cartada será sempre o Judiciário. Apenas ele pode decidir que alguém será
privado de sua propriedade.
Diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis
(Abadi), Roberto Bigler avalia que a medida pode ter bons resultados, mas ainda
poderá ser tema de alterações nos tribunais:
— Dúvidas surgirão e os juristas irão elaborar e criar interpretações. Nem todas
as condições a lei consegue prever — diz Bigler. — Mas a tendência é que exista
maior pacificação na vida condominial, pois a sanção é clara.
A expulsão limita um dos elementos que caracterizam a condição de
proprietário segundo a lei: a faculdade de usar o bem. Mas caso isso venha a
ocorrer, o morador retirado ainda poderia alugar o imóvel ou vendê-lo, de
acordo com o texto da reforma. O professor de Direito Civil da Uerj Daniel
Cervasio considera que a norma soluciona uma controvérsia que há atualmente:
— Há uma limitação da propriedade sem previsão legal. No momento, não há
segurança jurídica.
O artigo 1.337 prevê a possibilidade da reversão dessa decisão, caso uma nova
deliberação seja feita pela assembleia. Cervasio avalia que análises devem ser
feitas caso a caso:
— Às vezes temos pessoas com condições especiais, que não podemos sair
tirando de casa. A tolerância deve ser preservada.
Caso o texto seja aprovado como está, o morador expulso não poderia
participar de assembleias nem votar, assim como os inadimplentes. Bigler diz
que o “avanço de poder do condomínio” em relação a quem pode participar
das decisões coletivas eliminaria dúvidas que existem hoje. Mas para Cervasio,
a medida pode ter pouco impacto, já que há uma tendência de devedores
deixarem de participar das assembleias:
— O inadimplente costuma ficar constrangido — argumenta o professor da
Uerj, para quem a medida é positiva apenas se recair sobre aqueles cuja única
dívida é com o condomínio, e não no caso de pessoas altamente endividadas,
em processo de recuperação judicial ou de falência: — Se o condômino estiver
em um processo de reestruturação de dívidas, não vejo cabimento.
Airbnb
O projeto de reforma do Código Civil também transforma o que hoje é exceção
em regra, ao tratar das hospedagens temporárias por plataformas digitais como
o Airbnb. Em 2021, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ)
determinou que condomínios residenciais podem proibir a prática em suas
convenções. A nova proposta proíbe a “hospedagem atípica” — a não ser que
o condomínio estabeleça essa permissão na convenção.
— Se aquela comunidade entender que cabe ali uma hospedagem atípica, ela
pode inserir uma cláusula permitindo. É importante essa flexibilidade, porque
os empreendimentos vão mudando a sua destinação específica ao longo do
tempo — avalia Bigler.
Em prédios mais recentes, construídos após a popularização desses serviços, as
normas internas já tendem a estar adequadas ao que prevê a proposição.
— Condomínios novos que nascem para investidores já vem com essa previsão
na convenção. Até por ser o perfil de quem vai comprar, o prédio tem a cara
dessas plataformas — acrescenta Basse, para quem a maioria dos condomínios
não poderia admitir Airbnb por não ter essa previsão expressa — os
condôminos teriam que se articular para mudar isso.